Governadores e prefeitos vão deixar conta para sucessores
Em nome de uma melhora no perfil de suas dívidas, governadores e prefeitos estão autorizados a buscar empréstimos junto a bancos privados e a deixar parte da conta para ser paga por seus sucessores, que também terão que enfrentar os altos e baixos do dólar por dez anos.
A permissão para essa nova operação foi dada pessoalmente pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, contrariando recomendação da área técnica do órgão descrita em um parágrafo do parecer 1.605/2012 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os técnicos discordaram da inclusão de prazos de carência nas operações de refinanciamento da dívida estadual por meio de empréstimos dolarizados, que foram realizadas em 2012.
A janela para esse tipo de financiamento se abriu com a queda da Selic, acentuada a partir do ano passado. Até então, os juros cobrados pela União sobre a dívida estadual renegociada no fim dos anos 1990 eram mais baixos que os do mercado. A mudança nos juros fez com que a situação se invertesse, e bancos privados e governadores acharam, então, uma oportunidade de negócios.
Mato Grosso e Santa Catarina já tomaram US$ 1,2 bilhão do Bank of America e usaram o dinheiro para quitar parte do estoque da dívida antiga que tinham com a União. Trocaram taxas superiores a 12% ao ano, equivalentes ao IGP-DI e a juros de 6% ao ano estabelecidos nos contratos com a União, por outras de 4% ao ano, no caso de Santa Catarina, ou 5% ao ano, em Mato Grosso, mais a variação cambial. Também ganharam como bônus um prazo de carência que, na prática, chega a 18 meses.
A Coordenação-Geral das Relações e Análise Financeira dos Estados e Municípios (Corem) do Tesouro, que analisou o primeiro pedido de reestruturação de dívidas, feito pelo Mato Grosso, conclui que a carência "configuraria adiamento do esforço fiscal do Estado". Mas o secretário Arno Augustin pensou diferente. No despacho em que reviu a decisão técnica, afirmou que a metodologia usada "não abrange, com precisão, todos os aspectos conceituais e negociais que devem ser considerados".
Nas discussões internas, um tanto acaloradas, Augustin mais de uma vez desafiou os técnicos a citar a lei que veda a inclusão de prazos de carência nos refinanciamentos. De fato, não há lei que proíba. Assim como não há nenhuma obrigação de que o prazo extra seja incluído. O secretário do Tesouro justifica a decisão afirmando que a carência funciona como um "incentivo" e que "o desenho final da operação pode atender a um objetivo maior e que escapa da análise singular (...)".
Qual é o objetivo maior? Vale a pena incentivar Estados a correr risco cambial? Sem a carência, os governadores não teriam interesse nessa operação? A União precisa mesmo garantir os empréstimos? A folga de caixa aberta agora não se transformará em despesas correntes? É justo jogar a conta para a frente?
Os Estados estão convictos das vantagens. Mato Grosso reduziu o comprometimento da receita com o serviço da dívida de 15% para 6% e a carência deixou R$ 6 milhões no caixa. Em Santa Catarina, a economia chega a R$ 550 milhões, se considerado o efeito dos juros, da redução na parcela de pagamentos à União e da carência. Essa folga de caixa não está amarrada diretamente a investimentos e os governadores poderão decidir o destino do dinheiro dentro das limitações impostas pelos contratos de ajuste fiscal com a União.
As secretarias de Fazenda do Mato Grosso e de Santa Catarina argumentam, ainda, que começarão a pagar a nova dívida em 2014, ainda durante o mandato dos atuais governadores, raciocínio que não vale para operações que sejam feitas no segundo semestre e tenham carência de 18 meses. Até onde se sabe, também não há qualquer limite ao prazo máximo para a carência, que dependerá do que o Tesouro considera razoável.
Dizem, ainda, que o sucessor herdará uma dívida mais baixa e mais barata, uma conclusão que a princípio é positiva. Considerando que mesmo o governo aposta num real mais desvalorizado, por causa da mudança na política econômica dos Estados Unidos, essa vantagem também pode desaparecer. Apenas nas últimas semanas, o real caiu cerca de 8% em relação à moeda americana. Santa Catarina, por exemplo, internalizou os recursos a uma taxa média de R$ 2,03 para uma cotação que na semana passada estava em R$ 2,14. Augustin, que defendeu a operação no papel, disse ao Valor que "não comenta" o assunto.
Goiás e Bahia já procuraram a Secretaria de Fazenda de Santa Catarina para aprender o caminho dos empréstimos baratos em dólar, que estão se transformando numa pequena panaceia para quem quer dinheiro em caixa. Estimativas conservadoras da área técnica falam em pelo menos R$ 15 bilhões em pedidos que podem se enquadrar na nova regra.
A concessão do prazo de carência não é a única mudança que abre espaço para mais endividamento de Estados e municípios. Desde 2012, por exemplo, o Tesouro tem usado empréstimos de curto prazo para evitar a paralisação de investimentos. Estados sem recursos em caixa para contrapartidas a financiamentos federais recebem dinheiro do Proinveste, do BNDES, e o usam para quitar as contrapartidas. A liberação de R$ 100 bilhões em empréstimos também do BNDES para investimentos depende de autorizações especiais para Estados que, segundo as regras em vigor atualmente, não têm capacidade de se endividar.
São todas soluções frágeis para problemas concretos. A recuperação da capacidade de investimento de Estados e municípios é uma discussão importante, especialmente num país que cresce a taxas brasileiras. Assim como é impossível negar que os juros cobrados nos contratos de refinanciamento da União estão hoje acima do mercado. Mas a busca de uma solução definitiva para esse problema foi abandonada no momento em que o Ministério da Fazenda suspendeu a tramitação do projeto de lei que mudava o indexador das dívidas estaduais. Com tudo isso, sobraram remendos.
Pelos cálculos da Secretaria do Tesouro Nacional, o contribuinte já desembolsou R$ 230 bilhões em subsídios aos Estados e municípios desde o refinancia- mento das dívidas com a União. É muito dinheiro para uma política fiscal que recebe, de críticos e aliados, os mais variados adjetivos - nenhum deles, porém, muito elogioso.
E-mail: leandra.peres@valor.com.br
Em nome de uma melhora no perfil de suas dívidas, governadores e prefeitos estão autorizados a buscar empréstimos junto a bancos privados e a deixar parte da conta para ser paga por seus sucessores, que também terão que enfrentar os altos e baixos do dólar por dez anos.
A permissão para essa nova operação foi dada pessoalmente pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, contrariando recomendação da área técnica do órgão descrita em um parágrafo do parecer 1.605/2012 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os técnicos discordaram da inclusão de prazos de carência nas operações de refinanciamento da dívida estadual por meio de empréstimos dolarizados, que foram realizadas em 2012.
A janela para esse tipo de financiamento se abriu com a queda da Selic, acentuada a partir do ano passado. Até então, os juros cobrados pela União sobre a dívida estadual renegociada no fim dos anos 1990 eram mais baixos que os do mercado. A mudança nos juros fez com que a situação se invertesse, e bancos privados e governadores acharam, então, uma oportunidade de negócios.
Mato Grosso e Santa Catarina já tomaram US$ 1,2 bilhão do Bank of America e usaram o dinheiro para quitar parte do estoque da dívida antiga que tinham com a União. Trocaram taxas superiores a 12% ao ano, equivalentes ao IGP-DI e a juros de 6% ao ano estabelecidos nos contratos com a União, por outras de 4% ao ano, no caso de Santa Catarina, ou 5% ao ano, em Mato Grosso, mais a variação cambial. Também ganharam como bônus um prazo de carência que, na prática, chega a 18 meses.
A Coordenação-Geral das Relações e Análise Financeira dos Estados e Municípios (Corem) do Tesouro, que analisou o primeiro pedido de reestruturação de dívidas, feito pelo Mato Grosso, conclui que a carência "configuraria adiamento do esforço fiscal do Estado". Mas o secretário Arno Augustin pensou diferente. No despacho em que reviu a decisão técnica, afirmou que a metodologia usada "não abrange, com precisão, todos os aspectos conceituais e negociais que devem ser considerados".
Nas discussões internas, um tanto acaloradas, Augustin mais de uma vez desafiou os técnicos a citar a lei que veda a inclusão de prazos de carência nos refinanciamentos. De fato, não há lei que proíba. Assim como não há nenhuma obrigação de que o prazo extra seja incluído. O secretário do Tesouro justifica a decisão afirmando que a carência funciona como um "incentivo" e que "o desenho final da operação pode atender a um objetivo maior e que escapa da análise singular (...)".
Qual é o objetivo maior? Vale a pena incentivar Estados a correr risco cambial? Sem a carência, os governadores não teriam interesse nessa operação? A União precisa mesmo garantir os empréstimos? A folga de caixa aberta agora não se transformará em despesas correntes? É justo jogar a conta para a frente?
Os Estados estão convictos das vantagens. Mato Grosso reduziu o comprometimento da receita com o serviço da dívida de 15% para 6% e a carência deixou R$ 6 milhões no caixa. Em Santa Catarina, a economia chega a R$ 550 milhões, se considerado o efeito dos juros, da redução na parcela de pagamentos à União e da carência. Essa folga de caixa não está amarrada diretamente a investimentos e os governadores poderão decidir o destino do dinheiro dentro das limitações impostas pelos contratos de ajuste fiscal com a União.
As secretarias de Fazenda do Mato Grosso e de Santa Catarina argumentam, ainda, que começarão a pagar a nova dívida em 2014, ainda durante o mandato dos atuais governadores, raciocínio que não vale para operações que sejam feitas no segundo semestre e tenham carência de 18 meses. Até onde se sabe, também não há qualquer limite ao prazo máximo para a carência, que dependerá do que o Tesouro considera razoável.
Dizem, ainda, que o sucessor herdará uma dívida mais baixa e mais barata, uma conclusão que a princípio é positiva. Considerando que mesmo o governo aposta num real mais desvalorizado, por causa da mudança na política econômica dos Estados Unidos, essa vantagem também pode desaparecer. Apenas nas últimas semanas, o real caiu cerca de 8% em relação à moeda americana. Santa Catarina, por exemplo, internalizou os recursos a uma taxa média de R$ 2,03 para uma cotação que na semana passada estava em R$ 2,14. Augustin, que defendeu a operação no papel, disse ao Valor que "não comenta" o assunto.
Goiás e Bahia já procuraram a Secretaria de Fazenda de Santa Catarina para aprender o caminho dos empréstimos baratos em dólar, que estão se transformando numa pequena panaceia para quem quer dinheiro em caixa. Estimativas conservadoras da área técnica falam em pelo menos R$ 15 bilhões em pedidos que podem se enquadrar na nova regra.
A concessão do prazo de carência não é a única mudança que abre espaço para mais endividamento de Estados e municípios. Desde 2012, por exemplo, o Tesouro tem usado empréstimos de curto prazo para evitar a paralisação de investimentos. Estados sem recursos em caixa para contrapartidas a financiamentos federais recebem dinheiro do Proinveste, do BNDES, e o usam para quitar as contrapartidas. A liberação de R$ 100 bilhões em empréstimos também do BNDES para investimentos depende de autorizações especiais para Estados que, segundo as regras em vigor atualmente, não têm capacidade de se endividar.
São todas soluções frágeis para problemas concretos. A recuperação da capacidade de investimento de Estados e municípios é uma discussão importante, especialmente num país que cresce a taxas brasileiras. Assim como é impossível negar que os juros cobrados nos contratos de refinanciamento da União estão hoje acima do mercado. Mas a busca de uma solução definitiva para esse problema foi abandonada no momento em que o Ministério da Fazenda suspendeu a tramitação do projeto de lei que mudava o indexador das dívidas estaduais. Com tudo isso, sobraram remendos.
Pelos cálculos da Secretaria do Tesouro Nacional, o contribuinte já desembolsou R$ 230 bilhões em subsídios aos Estados e municípios desde o refinancia- mento das dívidas com a União. É muito dinheiro para uma política fiscal que recebe, de críticos e aliados, os mais variados adjetivos - nenhum deles, porém, muito elogioso.
E-mail: leandra.peres@valor.com.br