Em
tempos de ajuste fiscal, o volume de créditos que o governo federal tem
a receber de devedores com prazo esgotado para o pagamento chegou a R$
1,5 trilhão neste mês. Embora a maior parte deste volume tenha, aos
olhos da União, pouca probabilidade de ser recuperado, especialistas
ouvidos pelo Valor afirmam que o potencial de arrecadação da dívida ativa não deveria ser ignorado pela equipe econômica.
Dados
do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) analisados
pela ONG Contas Abertas indicam que, do total de R$ 1,5 trilhão inscrito
na dívida ativa da União em setembro, R$ 1,2 trilhão está na provisão
de perdas.
"Mesmo
tirando a parte 'podre', o montante que fica é bilionário", diz
Aldemário Araújo Castro, ex-coordenador geral da Dívida Ativa da União e
funcionário da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) há 22
anos. Castro diz que o desempenho da procuradoria, responsável por
cobrar os créditos não pagos, está "muito aquém do adequado", mas
argumenta que os sucessivos contingenciamentos impostos ao órgão têm
retirado sua capacidade de recolher mais recursos.
Ex-secretário
da Receita Federal e sócio da Logus Consultoria, Everardo Maciel
critica a ausência de medidas relacionadas aos créditos inativos no
pacote anunciado pelo governo na semana passada para tentar cumprir a
meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em
2016. E destaca ainda o potencial extra de arrecadação dos processos
administrativos da União - a etapa em que a PGFN ainda não recorreu à
Justiça e não inscreveu o débito a dívida ativa -, algo em torno de R$
600 bilhões.
Maciel,
que ajudou a instituir a CPMF, lembra que a gestão de Fernando Henrique
Cardoso lançou mão de receitas extraordinárias como essas para realizar
seu ajuste fiscal - em 2000, o ex-presidente formulou o primeiro
programa de recuperação fiscal, o Refis. Maciel disse "não estar
convencido" de que as medidas fiscais esgotaram as possibilidades de
cortes de despesas. Para ele, seria uma oportunidade para que o
Orçamento - com uma estrutura "completamente obsoleta", elaborada em
1964 - fosse revisto e que as principais deficiências da dinâmica de
aumento das despesas primárias fossem expostas.
No
caso da dívida ativa, Castro, da PGFN, vê dois grandes entraves para
que a procuradoria melhore sua taxa de aproveitamento na cobrança dos
créditos. De um lado, diz que o governo prefere adotar soluções
"simplistas e imediatistas", como o aumento de impostos, quando
confrontado com situações de desequilíbrio fiscal. Por outro, ele afirma
que o perfil dos grandes devedores coincide com grandes financiadores
de campanhas. "Um esforço maior para recuperar os créditos poderia
acabar gerando um problema político", diz o ex-coordenador.
Segundo
o Contas Abertas, os recursos mais difíceis de serem recuperados pela
União são, em grande parte, créditos tributários administrados pela
Receita, como multas aplicadas pelas superintendências regionais do
Trabalho.
O
crescimento da fatia de perdas previstas no volume da dívida ativa -
que subiu de 19% do total em 2005 a 76,9% neste ano -decorre, segundo
Castro, do esforço da PGFN na última década para analisar e qualificar o
perfil da dívida Algo semelhante ao que os bancos privados fazem com
suas respectivas carteiras de crédito para calcular a possibilidade de
recuperação dos recursos - idade do crédito, possível localização de
bens para penhora, situação dos devedores etc.
Entre
as ações para elevar as receitas ainda neste ano, a equipe econômica
chegou a cogitar a "venda" de parte da dívida ativa, que poderia render
cerca de R$ 40 bilhões. A proposta, no entanto, perdeu força depois do
rebaixamento da nota brasileira. O modelo estudado era semelhante ao que
já foi usado por alguns Estados e municípios que, no entanto, é
questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).Por Camilla Veras Mota e Ligia Guimarães
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