Thursday, September 17, 2015

Analistas propõem uso de créditos da dívida ativa em ajuste fiscal

Em tempos de ajuste fiscal, o volume de créditos que o governo federal tem a receber de devedores com prazo esgotado para o pagamento chegou a R$ 1,5 trilhão neste mês. Embora a maior parte deste volume tenha, aos olhos da União, pouca probabilidade de ser recuperado, especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que o potencial de arrecadação da dívida ativa não deveria ser ignorado pela equipe econômica.
Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) analisados pela ONG Contas Abertas indicam que, do total de R$ 1,5 trilhão inscrito na dívida ativa da União em setembro, R$ 1,2 trilhão está na provisão de perdas.
"Mesmo tirando a parte 'podre', o montante que fica é bilionário", diz Aldemário Araújo Castro, ex-coordenador geral da Dívida Ativa da União e funcionário da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) há 22 anos. Castro diz que o desempenho da procuradoria, responsável por cobrar os créditos não pagos, está "muito aquém do adequado", mas argumenta que os sucessivos contingenciamentos impostos ao órgão têm retirado sua capacidade de recolher mais recursos.
Ex-secretário da Receita Federal e sócio da Logus Consultoria, Everardo Maciel critica a ausência de medidas relacionadas aos créditos inativos no pacote anunciado pelo governo na semana passada para tentar cumprir a meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016. E destaca ainda o potencial extra de arrecadação dos processos administrativos da União - a etapa em que a PGFN ainda não recorreu à Justiça e não inscreveu o débito a dívida ativa -, algo em torno de R$ 600 bilhões.
Maciel, que ajudou a instituir a CPMF, lembra que a gestão de Fernando Henrique Cardoso lançou mão de receitas extraordinárias como essas para realizar seu ajuste fiscal - em 2000, o ex-presidente formulou o primeiro programa de recuperação fiscal, o Refis. Maciel disse "não estar convencido" de que as medidas fiscais esgotaram as possibilidades de cortes de despesas. Para ele, seria uma oportunidade para que o Orçamento - com uma estrutura "completamente obsoleta", elaborada em 1964 - fosse revisto e que as principais deficiências da dinâmica de aumento das despesas primárias fossem expostas.
No caso da dívida ativa, Castro, da PGFN, vê dois grandes entraves para que a procuradoria melhore sua taxa de aproveitamento na cobrança dos créditos. De um lado, diz que o governo prefere adotar soluções "simplistas e imediatistas", como o aumento de impostos, quando confrontado com situações de desequilíbrio fiscal. Por outro, ele afirma que o perfil dos grandes devedores coincide com grandes financiadores de campanhas. "Um esforço maior para recuperar os créditos poderia acabar gerando um problema político", diz o ex-coordenador.
Segundo o Contas Abertas, os recursos mais difíceis de serem recuperados pela União são, em grande parte, créditos tributários administrados pela Receita, como multas aplicadas pelas superintendências regionais do Trabalho.
O crescimento da fatia de perdas previstas no volume da dívida ativa - que subiu de 19% do total em 2005 a 76,9% neste ano -decorre, segundo Castro, do esforço da PGFN na última década para analisar e qualificar o perfil da dívida Algo semelhante ao que os bancos privados fazem com suas respectivas carteiras de crédito para calcular a possibilidade de recuperação dos recursos - idade do crédito, possível localização de bens para penhora, situação dos devedores etc.
Entre as ações para elevar as receitas ainda neste ano, a equipe econômica chegou a cogitar a "venda" de parte da dívida ativa, que poderia render cerca de R$ 40 bilhões. A proposta, no entanto, perdeu força depois do rebaixamento da nota brasileira. O modelo estudado era semelhante ao que já foi usado por alguns Estados e municípios que, no entanto, é questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Por Camilla Veras Mota e Ligia Guimarães
valor.com.br